Dá Deus nozes a quem não tem dentes

Neste momento estou sentada junto ao gate 43 do aeroporto de Lisboa. Dentro de hora e meia vou embarcar para a última e maior viagem deste ano: Irão.

Desde ontem que tenho o estômago às voltas, e não conseguia identificar o porquê. Pensei várias vezes que devia ser de estar farta de andar de avião nos últimos meses. Gostei muito da viagem pelo Sudoeste Asiático, mas foi muito desgastante em termos de vôos (apanhei 7 vôos em 15 dias e fiz 32 horas de regresso) e fazer mais 12 horas de avião logo um mês depois…se calhar era por isso que estava com cara de quem está a fazer um frete…se calhar era por isso que não me estava a apetecer embarcar novamente…
Dá Deus nozes a quem não tem dentes, pensei.
Até que passei nos controles e comecei a observar e a observar-me. E descobri finalmente o motivo: deja vu.
Deja vu dos últimos seis anos em que depois do Natal tinha que embalar as trouxas e voltar pra Amesterdão. Um sentimento bem conhecido: “ainda não me apetece ir embora”.
E uma vez identificado o sacana, a purga: este texto.
É curioso como acções que tomamos naturalmente no decorrer do dia-a-dia nos marcam a ferros sem notarmos.
Eu nunca fui infeliz na Holanda, muito menos em Amesterdão. Eu sou anti-sofrimento, sou totalmente a favor de epidurais e anestesias, analgésicos e qualquer tipo de medicamento ou acção que evite dores. Advogo-me como anti-masoquista há anos.
Nunca fiz nada que me provocasse intencionalmente qualquer dor, e por isso nunca me apercebi de que me custava regressar todos os Natais.
Sabia que às vezes me custava meter-me no avião de volta e há-de haver por aí um post sobre isso. 
Mas nunca, nem nos meus sonhos mais remotos me passou pela cabeça que esta sensação estivesse ficada marcada a ferros, qual trauma.
Eu entendo aqueles que estão fora e adoptaram o País que os acolheu, aqueles que amam as emoções e experiências diárias noutros Países. Acima de tudo, e contrariamente ao que possa parecer, respeito-os muito nas suas escolhas e confesso-me invejosa desta capacidade de se apaixonarem diariamente pelos sítios e pessoas que conhecem.
Eu sou uma mulher de poucas e fortes paixões, sou apaixonada por Lisboa e por este rectângulo à beira-mar, pelos meus cães, pela minha família e pelos meus amigos, pela Candeia, e em 38 anos apaixonei-me por três homens. 
Embora seja de Braga, nunca fui apaixonada pela cidade, sabiam?
A mim as coisas ou batem ou não batem. E eu fui pra Amesterdão com o mesmo sentimento que se tem quando se conhece um tipo que se acha fascinante, há a paixoneta, the crush, mas depois começam a surgir aqueles pequenos apontamentos diários que de início são apenas inconvenientes, e anos passados dão origem a divórcios.
É isso, divorciei-me da Holanda. Nas me arrependo de me ter “casado” com ela, até porque como muita gente, tem coisas maravilhosas e com ela aprendi imenso, mas afinal não é ela o meu “par” ideal. E isto é algo extremamente pessoal, não é uma explicação ou justificação da minha maior decisão de 2014. É a purga de que preciso, o ordenar de pensamentos e acima de tudo de sentimentos, que me permite avançar, tal e qual como numa separação, passo a passo, de regresso ao melhor de mim, sem sentir que estou a cuspir no pratp que me alimentou a vida nos últimos anos.
E agora sim, estou pronta pra visitar a Pérsia, aquela porque me apaixonei quando li o Samarcanda do Amin Maalouf, e que já não existe senão no meu imaginário, mas que com certeza vai superar as minhas expectativas.
Desejo-vos um excelente 2015, cheio de saúde e alegrias, e que nele se tornem realidade os vossos sonhos, mas acima de tudo, que 2015 vos traga a vocês, e a mim, a capacidade de assumir as nossas paixões, sejam elas quais sejam, estejam elas onde estiverem, porque é isso que é ser feliz: seguir o nosso coração a cada instante.

13 comments:

  1. Eu também não gosto nada de voltar a "casa" a seguir ao Natal, e já só falta uma semana 🙁 É sem dúvida a viagem que custa mais. Aproveita a Pérsia, diverte-te e boas entradas!

  2. Este registo não pode deixar ninguém indiferente. Fala de paixóes, decisões e reflexões. Metáforas e outros estilos, que acabam por definir, penso eu, muito bem, quem o escreveu. Samarcanda, na realidade já não existe, a Pérsia dos Xás também não. O Irão é dos ayatollahs, e a mim assusta-me um país assim dominado por fundamentalismos. Mas depois há toda uma cultura que, quem vai determinada a conhecer e respeitar (compreender?) lhe há de trazer uma visão do mundo mais alargada. Posto isto, desejo um 2015 em pleno!
    Beijinhos
    Mia

  3. Nós regressamos ontem das férias do Natal e eu (ainda) sinto que estou a voltar a casa quando entro no avião e me despeço da Tugolândia. Sinto-me uma privilegiada por isso mesmo. Por não sentir que estou a deixar a minha casa. Mas conheço quem sofra por isso mesmo e quem passe os meses à espera daqueles dias de regresso. Curioso, curioso, é que, apesar de Braga não ser a minha cidade natal e de ter passado apenas 10 anos lá, é onde me sinto mais "em casa".

    Ahh ouvi dizer que no meio do bananeiro alguém reconheceu a Petzi o Bitoque e a Juicy. Gostava de lá ter estado pra te dar um "Olá" pessoalmente. De qualquer forma, espero que tenhas tido um óptimo Natal e que este Ano te traga tudo tudo de bom. Boa viagem. Beijinhos

  4. DIZ-ME QUE NÃO ERAS TU!!! Era uma amiga tua, e a quem mesmo assim quero pedir desculpas pela rapidez e atrapalhação, mas eu estava à procura do meu primo, que entretanto chegou, e só tinha duas horas pra estar com ele, e já não o via desde Abril. Enfim, foi um bocadinho atabalhoado, mas espero que tenha sido simpática!!! Muitos beijinhos, e bom ano pra ti também garota!!

  5. Foi mesmo isso Mia, trazer uma visão mais próxima sobre algo que só leio nos jornais. E agora tenho uma opinião bem formada. Mas isso tu vais ver depois nos posts sobre o Irão 😉 Beijinhos e bom ano!

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