Viajar como quem nasce…

(este texto não é da minha autoria, mas sim da MJL. Mas quis e pedi para publicar porque acho que vão gostar muito de cada palavra. Obrigada à autora por exprimir-se de modo tão claro sobre o que é ser-se sentimento quando se viaja)

…viajar em modo adagio, como quem se deixa nascer para outra realidade, sem juízos de valor, como a atitude das crianças que entram neste mundo, de repente, sem guia turístico ou outro, a abrir os olhos, os ouvidos, a tatear, a captar…Nunca ficamos iguais depois de uma viagem em que o pensamento se exercite a ficar numa atitude de receptividade, de compreensão , de descoberta, de conexão.
É criançar , é ter vivências desmedidas, sentir sem limites de pensamento, como se os sentidos fossem mais de cinco, e um sexto, um sétimo sentido nos arrastasse para além do descritível pelas palavras sensoriais .
As crianças captam, ouvem, expandem a cada minuto, a cada olhar, a cada abrir e fechar de olhos.
Extravasar os limites da fronteira que é a nossa pele , o nosso corpo, e captar o que vibra, o que vive,o que não podemos classificar nem julgar.
Nós vamos sendo condicionados na maneira de olhar, de ouvir, de tocar, de expressão … aprendemos códigos de comportamento, sempre sujeitos à interpretação num espaço e numa comunidade. Morremos aos poucos por inação , por atilhos a prender movimentos, pensamentos. Copiamos , comparamos, não criamos…Deixamos de ser crianças.

Quando viajamos sem preocupações de grandes informações prévias a descoberta interpela-nos mais a nu, sem estarmos nem na defensiva nem na comparação. É bom olhar e ver como as crianças, sem imaginar antes…O quê? O que sente quem nos olha? Temos uma barreira física dentro da qual nos movemos e nos introduz antes de falarmos. Linguagem não verbal .

Sentir não é comparar. Sentir tem as portas dos sentidos e as outras para entreabrir e esperar o que surge. Sentir é expectante. Nascemos de novo, pois quando entramos neste mundo temos o mais difícil exercício de adaptação ao desconhecido de toda a nossa vida. A superar para viver. E viver será sempre superar. Se flutuamos não vivemos, estamos sem sentidos de olhos abertos.
O absoluto e o relativo…Porque é absoluto o que conhecemos e relativo o que é desconhecido?

Viajar relativiza-nos. Recoloca-nos perante nós próprios. O absoluto passa a ser o relativo…É tudo absolutamente relativo. Segurança? No equilíbrio do momento. Quanto mais arrisco mais momentos seguros sinto. Obrigo-me a encarar a fragilidade do momento e a segurá-la para não cair…
As paredes entaipam, limitam, fazem-nos retroceder porque não deixam avançar. Quem não avança recua.

Ir é sempre um futuro …Para onde vais? Para o futuro… nada mais do que isso. 

Dezembro 2013

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