De onde menos esperas, vem a luz de que precisas.

E há aqueles telefonemas inesperados, de um amigo que um dia me disse que o médico lhe tinha diagnosticado Autismo, ao que eu respondi: that can not be true. You care for others. E que hoje me ligou “because he does care”, do nada, e foi capaz de partilhar o que sentia e fazer-me sentir normal, capaz e estruturada, que era mesmo o que eu precisava. E ainda me disse: não há nada de errado com a tua forma de ver as coisas, é lógico, tem um motivo que é tu precisares de estrutura, e é the Dutch way, porque estaria errado?

Eu aprendi muita coisa na Holanda, e não vou perder o que aprendi para reaprender maus hábitos Portugueses.

Apesar de lho ter dito, eu acho que ele não conseguiu perceber o QUÂO agradecida eu estou e o QUANTO me ajudou. Longe, mas perto, um telefonema pode fazer toda a diferença.

Thanks HB, you rock!!!

Uzbequistão – Samarcanda, Tashkent, Khiva, Bucara – um sonho concretizado

Em Andijan (a primeira cidade depois da fronteira com o Quirguistão) é muito fácil sentirmo-nos uma estrela de cinema, todos nos sorriem (com os dentes de ouro superiores em carreirinha)  e dizem adeus, desejam-nos boa viagem, falam connosco em Uzbeque ou inglês (poucochinho), dizem-nos “welcome to Uzbekistan” e são muito, mas mesmo muitíssimo simpáticos!!

Aliás, a simpatia começou na fronteira.

Assim que saímos da China e entramos no Quirguistão notamos logo a diferença, mas entrar no Uzbequistão é toda uma outra dimensão! Os guardas fronteiriços sorriam com os dentes todos, perguntaram-nos se era a nossa primeira vez no País e pediram-nos pra voltarmos mais vezes. Sorriam muito, esforçaram-se por nos falar em inglês ou por gestos e diziam welcome to Uzbekistan, we hope you like our country!

Com uma entrada destas na fronteira, o pedido do nosso taxista (que era surdo) duma foto – o homem ficou todo feliz e orgulhoso -, e a recepção ultra calorosa no mercado de Andijan, estou rendida! Ainda mal comecei e já sei que um dia vou voltar ao Uzbequistão!

No mercado tivemos a ideia de oferecer ao nosso líder um ramo de rosas,  em formato de coração, e cheio de gliters 😂 para que ele se sentisse apreciado e tivesse de espalhar brilho por onde passasse 😂, porque o nosso líder é Brilhante!!

O que nós nos divertimos a escolher o ramo foi priceless! O vendedor não percebia porque é que nos ríamos tanto, mas sorria.

O Pedro ficou entre o “adorei” e o “vão-se lixar que agora tenho de carregar o ramo até onde?”! 😂Valeu imenso a pena porque no fundo, também ele, é uma manteiga derretida e quem não gosta de se sentir valorizado?

À entrada da estação de comboios tivemos outro episódio que mostra a candura desta gente que nos diz “Portugal! Ronaldo! Lissabon!”. A Maria João trouxe quase um kilo de areia do deserto nuns saquinhos, vem desde a China com aquela tralha, mas só hoje a mandaram parar no raio X. Quando abriu a mala dizia: areia! Deserto! Desert! Sand!

Eles não estavam a perceber o que era aquilo, até que a Vera se lembrou de mostrar uma foto das Dunas … e deixar os homens à gargalhada. Ainda eles não se tinham recuperado passo eu e mandam-me parar. Abri a mala e diz o Senhor Polícia “china”? Eu tiro de lá duas caixinhas, uma com um guerreiro de terracota e a outra… com uma lâmpada de Aladino, que o guarda tira pra fora, esfrega e a rir-se faz o gesto do génio a sair da lâmpada, diz “puuuuufffff”e entrega-ma com uma bela gargalhada e um sorriso ainda maior!

A barreira linguística é tramada, pra sabermos qual dos pratos era borrego tivemos que fazer “méééh”  e “muuuu” no restaurante enquanto apontávamos pra lista, no raio X mostrar fotos de dunas e jogar pictionary com os guardas, mas com a alegria desta gente, tudo se supera, mesmo o calor dos ananazes!!


Caso ainda não tenham percebido, estes 3 textos foram escritos durante a viagem, enquanto me deu vontade e tive tempo e inspiração.

Não descrevem o trajecto, não vos ajudam a fazer a viagem, mas explicam-vos o povo que vos espera nestes países, e o quanto vale imenso a pena percorrer a Rota da Seda.

Na continuidade do trajecto pelo Uzbequistão, fomos até Bucara onde vimos a deslumbrante Madrassa Miri-i Arab, em Taskhent e Samarcanda quase ficamos cegos com a beleza do Mausoléu e da Mesquita de Bibi Hanim, e em Khiva vimos uma espécie de “Óbidos” da Ásia Central, com tudo perfeito e imaculado, maybe a bit too perfect, just saying….

Os nossos amigos iam-nos atirando dum muro abaixo pela quantidade de vezes que dissemos “no Irão….”, porque é impossível conhecermos uma parte da antiga Pérsia sem nos lembrarmos do berço da mesma, a influência e as semelhanças são gritantes, não há hipótese. A diferença é que o Irão foi mais bem tratado pelos terramotos e guerras que teve, além de que tem claramente muito mais dinheiro para pagar a restauradores de qualidade. Os restauros no Uzbequistão foram claramente mais invasivos e re-estruturantes – será que podemos culpar os Russos? – e os grandes edifícios têm um ar demasiado limpo e organizado p’ra foto do turista. São bonitos, mas têm o tal ar: demasiado perfeito e pouco original.

Mas eu gostei mesmo muito do Uzbequistão, e não me importaria nada nada de lá voltar. Principalmente com o grupo excepcional que nos tocou, que se deu tão lindamente que ainda hoje, não só combinamos amiúde jantares e copos, como vamos viajar juntos pro Cáucaso! Tenho a certeza que esta viagem não teria sido tão fantástica se não fossem eles, e o nosso querido Líder Pedro, sempre pronto pra alinhar e descontrair connosco. O meu sentido obrigada a todos eles pela alegria de 3 semanas gloriosas!

Para acabar, uma dica e um alerta sobre os vôos: se voarem com escala na Rússia, lembrem-se que precisam de visto russo caso necessitem de voar entre S. Petersburgo e Moscovo. Apesar de não sairmos do aeroporto, temos que ter um visto para podermos apanhar um vôo interno e passar do “espaço internacional” para o interno. Nós distraímo-nos e a brincadeira saiu-nos cara, 400 euros mais cara, para ser precisa. Estejam e sejam mais atentos que nós 🙂

 

 

Quirguistão – uma pérola escondida

O Quirguistão é lindo de morrer e eu não sabia. Fizemos as montanhas de boca aberta, paramos sempre que pudemos até chegar a uma aldeia perdida nas montanhas, cheia de casas com telhados de chapa.

As pessoas são simpáticas, embora o ambiente se pareça ao fim do mundo, e se veja claramente que, apesar do frio, é verão. Nem quero imaginar a temperatura no Inverno, deve andar nos -20 de certeza… e não vi aquecimento central.

É nesta altura da viagem que é suposto ficarmos num Yurt, mas infelizmente faleceu a filha do Senhor do Yurt e ficamos numa guest house, muito confortável, amarelo torrado. Afogamos as gargalhadas em vodka que compramos no supermercado local, uma mercearia como no antigamente, com meia dúzia de items em exposição mas onde não falta nada, dos rebuçados pros miúdos ao sabão clarim cá do sítio. Passamos antes pelo “restaurante” que mais não é que um pré-fabricado com 6 mesas, mas que faz lembrar um tasco no Alasca. Experimentámos a cerveja local e bebemos nescafé.

O jantar foi servido com requinte na guest house, numa salinha privada só pra nós, sentados no chão em volta duma mesa bem baixinha. Eu nem gosto de vodka, mas em roma sê romano, e claramente…exagerei.

O dia seguinte foi passado em Osh, outra cidade engraçada com um bazar tão imenso que tenho a certeza que dele só vimos metade, mal disposta e com azia, mas sempre com grande animação.

Mais um ponto imperdível da Rota da Seda, percorrer as montanhas do Quirguistão e imaginar os meses que não deveria levar a atravessar este País, e as intempéries que os viajantes enfrentavam. Vida fácil a nossa de hoje, vida dura a do antigamente. Enquanto nós nos deslumbrávamos com a beleza pela janela quentinha do nosso carro, eles sofriam horrores com o frio e os assaltantes e só queriam chegar vivos ao outro lado.

Os Quirguies de hoje em dia também não devem viver num mar de rosas, isolados nas montanhas dedicados ao gado que transuma continuamente pela estrada, ovelhas, vacas, burros, cães pastor, yacks, todos se espraiam pelo espaço que deveria ser dedicado aos carros e sem remorsos. Como em todo o lado, fogem da rudeza da vida no campo e concentram-se cada vez mais nas cidades, havendo cada vez menos nómadas. Em Osh tudo se vende, literalmente tudo, no mercado a perder de vista, cheio de homens e mulheres locais que nos olham com curiosidade. Vende-se de tudo, de preferência fakes multi-marca. Uns ténis podem ser simultaneamente Abibas (Adidas) e Poma (Puma), com vários símbolos que se mostram consoante a perspectiva do curioso avaliador da classe: quantos mais símbolos, mais classe!!

Há uma mistura imensa de etnias, dizem que 80. Uns parecem mais chineses, outros têm olhos claros como os russos e há ainda quem esteja muito próximo fisicamente dos mongóis, mas todos são Quirguies, e todos nos trataram bem.

China – ou se adora ou se detesta, não há meio termo. Eu gostei!

Sabem aquela coisa do “blend in”, do “ah e tal até me perguntaram se eu era local”? Na China esqueçam 😂

Obviamente impossível.

O que sim é possível, é passar horas infinitas a observar este povo:

  • como os casais novinhos andam na rua de braço dado, com eles a carregar as compras delas e a carteira/mala das madames, que usam bandoletes com orelhas de gato brilhantes, de diabo vermelhas e tules, rendas, mais tules, mais desenhos;
  • como se sentam na sua posição de cócoras para descansar (se nunca experimentaram façam-no…é impossível a um ocidental manter o equilíbrio e apertar as articulações assim…);
  • como falam, que mais parece que estão sempre a mandar vir uns com os outros;
  • como se comunicam connosco por gestos e se riem à farta;
  • como nos tiram fotografias à sucapa e ficam envergonhados como crianças de 3 anos quando os apanhamos (o que mais gosto é de lhes ficar a dizer adeus ou espetar o dedinho em sinal de “fixe” 😁);
  • como se vestem super bem e com elegância – apenas aqueles que percebem que mais é menos;
  • como são efectivamente milhões de pessoas e tudo está sempre cheio e ao barrote, mas ninguém tropeça em ninguém!

Outras impressões soltas, mas que foram efectivamente as mais marcantes neste povo tão diametralmente diferente de nós:

  • Custa ultrapassar o nojo constante cada vez que os ouvimos a “puxar a culatra atrás” e escarrar com uma violência atroz, tanto homens como mulheres, é arrepiante e dá imensa vontade de vomitar!
  • As lojas de telemóveis que são pra lá de milhares, … juro que não compreendo como podem todas fazer negócio. Mas e daí… são milhões de Chineses, logo…
  • A comida deliciosa que me põe a comer sopa com dumplings logo de manhã e adorar, eu, que não sou capaz de comer nada até às 11 da matina….mas que faz com que termine cada refeição com o estômago aconchegado.
  • Não falam um cú de inglês mas comunicam connosco em chinês até verem nos nossos olhos que efectivamente não os estamos a perceber… e aí mudam pra linguagem gestual e conseguem-se fazer entender!!
  • O sorriso amarelo foi inventado na China…

Em Xijang a coisa muda de figura, há Yugurs de olhos verdes, muito simpáticos, crianças a correr pelas ruas, com os mais velhos a arreliarem os mais pequenos, putos de ano e meio, dois, sozinhos a passear sozinhos pelas ruas como no Portugal dos anos 50 e 60.

Uma cena marada, foi termos que sair do carro nas bombas de gasolina, porque só o condutor tem direito de acesso. O carro entra, enquanto nós esperamos todos pacientemente cá fora. Atesta, e volta a sair, e nós entramos… so weird…

Mil postos de controlo, polícia por todo o lado que nos pede os passaportes de hora a hora, máquinas raio-X p’ras malas, mais sorrisos amarelos dos Chineses que se impõem sobre um povo que quer ser independente e não consegue. Esta zona faz fronteira com 8 países e é considerado pela China como ponto estratégico de defesa, ou pelo menos é o que dizem os livros de geopolítica (Prisioners of Geography).

Imensos prédios vazios à espera de ocupantes que os Chineses querem que sejam populados pelos seus. Cidades fantasma inteiras perdidas no meio do nada.

Pra virmos ao lago e às montanhas junto da fronteira com o Paquistão tivemos que contratar uma agência, não nos deixam vir sozinhos como antes. Todos são controlados, os locais e os ocidentais. É impossível não nos sentirmos vigiados, e castrados.

As Pamir são estonteantes, estupidamente bonitas, deslumbrantes, e imagino que para os mercadores da Rota da Seda, muito assustadoras. Tenho à vontade umas 300 fotos das montanhas, são todas powerpoints em potencial. Os lagos azuis e verde esmeralda, as montanhas nevadas e os prados verdejantes tudo num mesmo enquadramento é quase um absurdo. Mas existem, que eu vi, com estes olhos que a terra um dia há-de comer.

A China não oferece meio termo na compreensão, aliás, não oferece compreensão, só espanto e aceitação. Ou se aceita que a cultura deles é diametralmente oposta à nossa e que não há como comparar e compreender, ou sai-se de lá com a única vontade de nunca mais voltar. Eu pessoalmente gostei, achei-lhes piada, desisti de os entender e limitei-me a observar. Eu estava na terra deles, não eram eles na minha, e por isso, é comer e calar, e não ficar de olhos em bico.

A culpa é das redes sociais!

Nunca mais escrevi, perco horas sem fim no Whatsapp e no Facebook, mais o Instagram, e vou adiando a escrita, da qual tenho mesmo muitas saudades.

Tenho escrito no meu FB ultimamente, e curiosamente há amigos que me dizem: não sabia que escrevias!

Ora, se o meu blog estivesse na palma da mão… e vai passando o tempo, e eu não escrevo…. e cá estou eu hoje, com tempo de sobra para publicar o que escrevi na viagem da Rota da Seda, e por isso, cá vai disto oh Evaristo, estão abertas as hostilidades!

Os posts que se seguem são dedicados aos 4 gatos que ainda por aqui passam, e à amiga Dina e Teresa que me disseram que me liam frequentemente e têm saudades dos meus disparates 😉 Obrigada miúdas por me lembrarem que ainda há quem esteja desse lado!

Está quase…quase….penúltima voltinha….

Esta foi a minha penúltima viagem a Amesterdão e a última vez que venho cá passar uma semana.

Excepto o climazinho de merda que caracteriza esta terra e me pôs os “pêlos de punta”, esteve-se bem, com muito muito carinho dos meus amigos que cá vivem, e que são a única coisa de que realmente tenho saudades.

Valeu tudo pelos abraços, pelas conversas abertas, honestas, sinceras, sem réstia de inveja ou qualquer tipo de sentimento menos digno.

Mandei a dieta às urtigas e brindei muito a eles, e agradeci muito a Deus e ao Universo a oportunidade maravilhosa que me deu de viver nesta terra,  conquistar e conhecer tanta gente boa e de grande coração e ter sido tão querida.

Estou de peito e papo cheio e coração transbordante de gratidão por tudo o que vivi e aprendi, mas é hora de continuar o resto da minha vida onde me sinto bem e ainda mais feliz se é que é possível, rodeada de ainda mais gente extraordinária, que adoro, que me cuida, me mima e me estima, que me faz ter a certeza absoluta de que regressar a Portugal e a Lisboa foi a melhor ideia que já tive EVER.

Já (ou finalmente) foste!

Dei-te os Parabéns, logo a seguir a música tocou no Spotify randomly e o meu coração deu um saltinho de memórias.

Um dia vou andar de bengala e ainda me vou lembrar do tempo em Londres.

If I could walk a thousand miles …. ia de férias masé!

 

Coisas giras que só me acontecem a mim

Quando a minha Juicy foi operada fui a pé até ao Veterinário que fica na esquina com a Estados Unidos da America.
Pelo caminho passei 4 vezes por um senhor que está sentado a pedir esmola e os meus cães foram os 3 ter com ele fazer-lhe uma festa, e ele ficou todo contente, fez-me muitos mimos, e seguimos viagem depois dos sorrisos e lambidelas.
Hoje ia a passar sozinha sem os cães, o senhor olha pra mim, pousa a lata, estende-me as duas mãos e cumprimenta-me efusivamente enquanto pergunta pelos meninos e pelo Bitoque e pelo Tintin (o meu hóspede de quando a quando)!
Desta vez o sorriso foi meu, de orelha a orelha, enquanto ele me desejava tudo de bom!
Não me pediu dinheiro, nem eu dei, não era preciso que já estávamos os dois recompensados!
Tão fixe!!

Sou filha de Retornados e com muito orgulho

Acabei hoje de ler (compulsivamente) o livro da Dulce Maria Cardoso, O Retorno da Tinta da China.

Andava há mais de um ano a ganhar coragem. E precisava de coragem porque sofro muito a ler histórias que descrevem situações que ouvi na primeira pessoa durante anos em minha casa.

Os meus Pais são Retornados, e eu sempre disse que o eram com muito orgulho, mas agora mais ainda, porque quando vieram de Angola começaram tudo do zero, e construíram uma vida nova, mas acima de tudo, construíram um futuro pros dois filhos, com imenso trabalho e sacrifício. Eles venderam papel de parede porta-a-porta, pinturas e quadros, pratos, bacalhau demolhado pra pesar mais, o meu Pai passou um ano em Lisboa a ir a casa aos fins de semana e ainda hoje odeia Lisboa e nunca cá quer vir por os pés (é com cada fita lá em casa que não lembra ao careca, por muito que lhe explique que a Lisboa que ele conheceu já não existe, não vale a pena. Nem a minha casa conhecem e é escusado explicar que é lindíssima e espaçosa e não fica num amontoado de prédios primários. E depois de ler o livro percebo porquê, mas vou continuar a insistir), a minha Mãe abriu um cabeleireiro na sala de jantar da nossa casa, e eu cresci entre pentes e tesouras, a dar 50 beijinhos por dia a todas as Senhoras que pela nossa porta entravam (ainda hoje não deixo que os Pais peçam às crianças pra me dar beijinhos quando as conheço, já me chegou a mim a quantidade de beijos melados que recebi nos meus primeiros 10 anos de vida!) e que ainda hoje cumprimento como família que são, pegaram todas em mim ao colo! brinquei com as filhas e filhos delas! cortei-lhes as perucas! Agora não haviam de ser família? Enfim, só faltou fazerem o pino pra refazerem a vida deles e ensinaram-nos a mim e ao meu irmão que nada é garantido, que temos que ser desenrascados e polivalentes, e que quando se emigra também há retorno.

Só quem já começou do zero sabe avaliar o que os Retornados passaram quando todo o “império Português” ruiu e se viram sem nada, perderam tudo, TUDO o que tinham comprado com tanto esforço e suor do outro lado do Oceano.

Os meus Pais falam bastante da vida em Angola, como era, o que faziam ao fim de semana, do Mussolo, da Baía do Cuanza, da Ilha, do marisco nas tardes de praia, da casa cheia de gente nova que tal como eles tinha ido pra Angola para viver uma vida melhor, da beleza que era Nova Lisboa, das palmeiras, das mangas, do abacaxi gelado com vinho do Porto que a minha Mãe comeu até enjoar, do calor, do cacimbo e das ventoínhas, da Maria Helena que dizia ter 15 anos e tinha 11 e que eles adoptaram qual filha e que quiseram trazer para Portugal mas que quis ficar com a Mãe e nunca mais souberam nada dela, das empregadas que roubaram o enxoval da minha mãe dizendo que estavam grávidas enquanto levavam as toalhas e os lençóis atados à barriga, da Julieta Pala que é um nome que não esqueço, dos tiroteios que deixavam a minha Mãe em pânico completo, do papel de parede no apartamento e das decorações feitas com imaginação e pouco dinheiro, do casamento por procuração enquanto o meu Pai apanhava um escaldão na praia, do facto de serem “o Consulado Melgacense” e receberem todos os tropas que iam de Portugal pra Angola e lhes darem o conforto dum lar por uns dias e comida decente, do meu Tio Eduardo que esteve lá com eles e das peripécias dele, e dos imensos amigos que nunca mais viram e da vida boa e agradável que por lá tinham no seu início de vida de casados nos seis anos que lá viveram juntos.

O meu Pai fala muito sobre os tempos de Tropa e das batidas, e da sorte que teve ao ser recebido por um rapaz de Melgaço de quem ficou amigo mas que desconhecia antes de chegar, e que “lhe deitou a mão” só por serem da mesma terra. Dum companheiro Holandês que tinha que se chamava Kruk (que de certeza que se chamava outra coisa que os Tugas traduziram para algo como kruk e que quase que aposto que era Belga…) e que homenageou à sua maneira quando baptizou o nosso cão 🙂

Mas….

…os meus Pais falam muito pouco do pós 25 de Abril em Angola e ainda menos sobre o retorno a Portugal.

Ainda hoje quando liguei ao meu Pai a dizer: tens que ler este livro, vou-to emprestar! Ele contou-me o último dia em Angola no aeroporto (que é uma das poucas histórias que eu conheço) e acaba com um: mas isto são coisas de que não vale a pena lembrarmo-nos.

Por isso eu sei pouco sobre essa altura, e este livro veio preencher esta lacuna, embora se aplique mais àqueles que nasceram lá (eu e o meu irmão nascemos em Portugal em 76 e 79) e para quem a “Metrópole e Portugal Continental” não passavam dum mapa que havia na sala de aula. Mas estas passagens do aeroporto descrevem melhor o que o meu Pai ainda hoje me contou, e ao lê-las parecia que os via lá, de mala na mão, em fuga dum País onde trataram bem toda a gente, em direcção ao seu País onde não esperavam ser tão mal recebidos.

A minha Mãe regressou em Abril de 75, o meu Pai diz que ela não aguentou a pressão – o meu Pai é tolo, algum dia algum de nós ficava num sítio onde havia tiroteios todos os dias e a tensão crescia diariamente?, e trazia mais que uma mala, cheias do pouco que tinha, e diz que lhe roubaram duas malas (nunca percebi se no aeroporto de Angola ou no de Lisboa) onde tinha mais coisas. Lá em casa há dentes de marfim e um ovo de avestruz cheio de areia de Angola que o meu Pai protege desde que eu sou gente (se partem o ovo, levam uma coça que nunca mais se endireitam!!! Deus me livre, aquele ovo lá em casa era um verdadeiro óscar!) e umas bonecas de marfim que são africanas das tribos de perfil, uns slides e umas fotografias deles e dos penteados trançados que elas usavam, animais selvagens e afins. Honestamente, agora que penso nisso, nem sei como é que trouxeram tanta coisa, a minha Mãe não é nenhuma máquina a empacotar, ou então era e perdeu-lhe o jeito (quando ler isto vai-me pendurar pelas orelhas qual bacalhau seco!) 😀 Também havia um gira-discos, e umas colunas de som, se calhar mandaram em contentores antes, porque naquela altura estes apetrechos eram volumosos. Mas vêem, não sei bem, porque nunca falam sobre isto porque não gostam de se lembrar, o que é compreensível, não é?

O meu Pai regressou no fim de Julho, chegou ao aeroporto no carro emprestado dum amigo que depois o ia lá buscar, tinha bilhete garantido, mas à porta do aeroporto estavam centenas de pessoas que já lá dormiam há mais de 4 e 5 dias a guardar a sua vez para se virem embora e que não tinham bilhete. Os guardas decidiram fazer uma fila em quadrado das pessoas, e como ninguém se mexia mandaram vários disparos de rajada pro ar. O meu Pai que ia a sair do carro com a mala atira-se pro chão. Quando os disparos acabam, deita a correr e só pára na porta do aeroporto onde fica em segundo ou terceiro lugar a seguir à porta. Deixou a mala pra trás. Diz-lhe uma das pessoas – então não vai buscar a mala? Eu quero é que a mala se foda! Oh Senhor, vá lá que nós guardamos-lhe a vez que nós bem o vimos a chegar! E é quando eu sei disto que penso, a sorte que me acompanha sempre a mim e ao meu irmão tem de vir do meu Pai! Então ele passa à frente de centenas de pessoas e ainda o defendem e guardam-lhe o lugar? É preciso nascer com o “cú virado pra lua”!

E ele foi buscar a mala, e ficou à porta do aeroporto à espera pra entrar desde as 8 da manhã até à meia-noite, hora a que conseguiu entrar e chegar a um avião de madrugada que o trouxe de volta contrariado.

A descrição no retorno é de Agosto/Setembro de 75 aproximadamente acho eu, pelo menos a avaliar pelas descrições seguintes, e fizeram-me lembrar esta história do meu Pai do aeroporto de que ele não gosta de se lembrar.

Este blog já me serviu pra encontrar primos, e pra conhecer pessoas maravilhosas e fazer amigos.

Gostava muito que este texto imenso servisse pra encontrar amigos dos meus Pais, quem sabe são os vossos Pais ou os vossos Tios ou primos, ou para se encontrarem uns aos outros 🙂 A caixa de comentários é toda vossa, partilhem as vossas histórias como Retornados ou filhos de Retornados.

Passou um ano e dois meses

Há um ano e dois meses que fui promovida a Manager e que deixei de ter vida própria. Aconteceram muitas coisas neste ano, e durante estes mais de 365 dias não houve um dia em que não tivesse saudades de escrever.

Viajei muito, fui a Madagáscar, à Colombia, regressei ao Irão e em Outubro vou a África, do Cabo a Zanzibar.

Geri uma equipa de 55 pessoas, fui 10 vezes à Holanda, passei lá o mês de Março na bendita auditoria que estava prevista há mais de três anos (passamos, by the way e com muito sucesso!), matei muitas saudades da minha família e dos meus amigos em Portugal, fiz novos amigos, decorei ainda mais a minha casa que neste momento parece um museu de viagens, comprei mais dois tapetes nómadas Iranianos, dei conferências sobre RGPD (Data Privacy), despedi-me de (demasiados) colegas que se reformaram ou foram despedidos, e trabalhei muito, mesmo muito, dediquei muitas (demasiadas) horas a transformar o meu departamento enquanto compensava a ausência e a competência de muitas pessoas que mudaram de emprego. Descobri que tenho síndrome do colón irritável e que fazer mindfulness me ajuda muito a ser menos ansiosa. Conheci o Ricardo Araújo Pereira e tirei uma foto com ele, a única vez na vida que pedi tal coisa a alguém que admiro e a quem estou grata por me fazer sorrir mesmo nos momentos mais difíceis. Vivi Lisboa, li muito, mandei umas larachas no facebook do Andorinha, mantive os meus estarolinhas lindos saudáveis e submeti a Petzi e a Juicy a uma operação pra remover quistos que se revelaram apenas sebáceos (graças a Deus!), podei rosas no meu jardim, fui muitas vezes à praia e tenho um ar saudável também eu, apesar de ter visitado todos os médicos possíveis até descobrir o IBS. E trabalhei, trabalhei, trabalhei, muitas (demasiadas) horas.

Não sabia da password do blog e fui adiando o regresso a esta página, que tanta falta me faz para ventilar,  partilhar, e organizar os meus pensamentos.

Acabo de publicar os comentários que foram deixando e que agradeço do fundo do coração. As minhas desculpas pela falta de resposta e o meu agradecimento sincero a quem por cá ainda passa e tem a pachorra de me ler.

Já não faço promessas de escrita diária, semanal ou mensal, vou escrevendo, vou vendo, vou vivendo.