“Escolhe um trabalho de que gostes, e não terás que trabalhar nem um dia na tua vida.”
Confúcio
Na semana passada, no blog do Filipe Morato Gomes, li este texto sobre ser Blogger de Viagens, que me chamou a atenção porque me fez refletir e é essa reflexão que quero partilhar aqui hoje em dois pontos:
- As viagens não me identificam como pessoa. A Sofia que sou deve-se, isso sim, ao quanto eu cresço e me descubro em viagem.
Por vezes penso o quão bom seria que todos – eu, principalmente! – voltássemos a viajar sem máquina fotográfica, sem computador portátil nem smartphones, e sem a obrigação de relatar as experiências quase em direto.
Viajar pelo prazer de viajar. De vivenciar experiências novas. Ir, apenas ir. Com os sentidos despertos e um Moleskine em branco. Inspirado, quem sabe, pelas pisadas de Paul Theroux África abaixo. Ou outros. Mas ir, simplesmente. Guardar tudo na memória, no coração, no papel. Quem sabe desenhar em vez de fotografar. E talvez escrever um livro, muito depois de regressar. Ou não fazer nada além de guardar as memórias para todo o sempre.
Nunca foi tão fácil viajar, acima de tudo nunca foi tão barato. Ir a São Francisco como eu vou em Abril por 400 euros, 80 contos na moeda antiga, era absolutamente impensável quando eu era miúda. Quando tinha 13 anos fui ao Canadá com os meus Pais e o meu irmão, e cada bilhete custou quase 100 contos, o que na altura era uma verdadeira fortuna.
Hoje viajamos por tuta e meia, percorremos o mundo agarrados à internet e ao Trip Advisor, à Booking e ao Airbnb, ao Facebook e ao Instagram, conseguimos ir uma semana ao México por 800 euros durante uma semana com all inclusive. E queremos partilhar, queremos mostrar que pudemos, que conseguimos, que estivemos lá. Tão preocupados que estamos em mostrar o sítio excelente onde nos encontramos, que nos esquecemos de viver o momento enquanto procuramos rede para postar só aquela foto que os nossos amigos, parentes e conhecidos vão morrer de inveja só de ver. E não estamos lá. Não estamos a guardar memórias, a descobrir, a falar com pessoas, estamos pura e simplesmente a por o “tick in the box” naquele sítio que fomos visitar. E pomos “o tick” como em tudo o que fazemos no dia a dia, completamos uma tarefa: visitar o Van Gogh. Subir ao topo do Matchu Pitchu. Ir à Torre Eifel. Tomar banho no Pacífico que há-de ser igual ao powerpoint que recebemos por email e claro, tirar uma foto que mostre que lá estivemos. E publicar um texto onde descrevemos minuciosamente o nosso trajecto.
Também postamos muito sobre as viagens que usamos para justificar a nossa estadia no estrangeiro quando emigramos. Para mim foi importante distanciar-me da emigração dos meus Tios, mostrar aos meus Pais e à minha família que não estava emigrada a comer o pão que o diabo amassou, que estava a aproveitar. E dei comigo a postar pratos de comida. Shame on me! Depois de ler o texto do Filipe, reparei que neste fim de semana não postei uma única foto, embora tenha tirado algumas. Deixei de ter necessidade de me justificar.
A viagem onde mais aproveitei cada dia e cada momento, foi a viagem do Irão, e hoje reflectindo o porquê é claro: não havia rede em praticamente lado nenhum e o acesso ao facebook ou ao blogger estava barrado em 99% dos casos. A Vodafone também não funciona naquelas terras, logo não estive contactável durante 20 dias. Comprei um cartão local que pus no telemóvel que não era um smartphone, e liguei única e exclusivamente aos meus Pais de dois em dois dias para dizer que estava bem. Não li emails, nem notícias. Foi na altura do ataque ao Charlie Hebdo, e só mandei um email a perguntar o que é que se passava à quarta mensagem de pânico recebida a perguntarem se eu estava bem.
Esta viagem à Pérsia mudou-me a vida, fiz grandes e excelentes amigos. E acima de tudo apaixonei-me pelo Irão e pelas suas pessoas.
Na última viagem que fiz à América Central havia wifi em todo o lado, e culpada me assumo, não fiz o mesmo porque a minha cabeça não estava ali, e por isso aproveitei pouco, e embora me tenha divertido bastante, o impacto não chegou nem aos calcanhares do Irão.
Na próxima viagem não vou ter internet, nem rede, sabe Deus electricidade na maioria dos sítios, e como tal tenho a certeza absoluta que vou curtir alarvemente. E como disse um amigo meu, vai ser uma viagem que vai ser “life changing”, e mal posso esperar para aterrar em Madagáscar e cumprir o meu propósito: aproveitar mais e relatar o mínimo. Mas hei-de o fazer antes disso. Viver no presente mais do que no futuro ou no passado é o meu repto para 2016.
Por último, quando pensei em por o meu blog a render dinheiro, a primeira coisa que me perguntaram foi: vais fazer um blog de viagens? Ao que eu respondi imediatamente que nem pensar. Não são as viagens que me definem como Andorinha. As viagens moldam-me e são uma parte da minha maneira de ser, mas não são quem eu sou.
2. Escolhe um trabalho de que gostes, e não terás que trabalhar nem um dia na tua vida
Esta frase banalizou-se, e hoje em dia as pessoas convertem os hobbies em trabalho. Pouca gente se apercebe que a partir do momento em que se dedicam a 100% ao hobby, este deixa de dar o prazer que lhes dava porque tem que ser vivido de outro modo para poder render dinheiro, e acima de tudo porque se transforma em múltiplas responsabilidades que não existiam anteriormente.
Uma coisa é fazermos um trabalho que abominamos e para o qual não temos vocação nenhuma. Por favor, mudem de vida já!
A outra é, assim que nos desmotivamos porque algo corre mal (o chefe é uma besta: a empresa já viu melhores dias) e não porque deixamos de gostar do que fazemos, em vez de procurarmos outro emprego na mesma área, decidirmos que agora vamos viver do cultivo da horta porque adoramos o campo, da renovação de móveis porque somos bué da bons no DYI, do Yoga porque gostamos imenso das aulas de Yoga, da fotografia só porque os nossos amigos fazem like das nossas fotos no facebilhas, das viagens porque gostamos imenso de viajar….. and so on, and so on.
Eu não digo que não seja possível viver da horta, do DYI, do Yoga, da fotografia e do que mais, o que eu digo é que não é possível transformarem um hobby num trabalho ….. sem terem que assumir as responsabilidades acrescidas que vêem com qualquer emprego, qualquer trabalho, que mais não seja a periodicidade, o aumento dos leitores, o escrever algo que seja interessante e vendável, o levar fotos a concursos ou exposições, o desgaste puro e duro de qualquer trabalho, seja ele qual for.
O Filipe já era amigo do meu irmão, hoje é meu amigo também e eu adoptei a família dele de quem gosto muito. E por isso é que lhe disse com franqueza este fim-de-semana, e digo agora por escrito aquilo que sinto e penso há muito tempo não sobre o Filipe em particular, mas sobre todos aqueles que escolheram o seu hobby favorito como profissão:
É natural que se sintam “mecanizados”, “automatizados”, que procurem formas diferente de se relacionarem com as viagens, com a fotografia, com o desporto, …. porque hoje em dia aquilo que era um expoente máximo de prazer semanal, mensal, anual ou bi-anual, é o vosso ganha-pão.
E é natural que, tal como em todos os trabalhos, já não sintam no dia a dia esse “kick” de prazer, porque mesmo tendo escolhido um trabalho de que gostam, este tornou-se rotineiro, cansativo, adaptou-se às necessidades do mercado que têm de preencher para poder receber a remuneração que vos permite viver deste prazer.
E assim o prazer se esbate, e inevitavelmente se converte numa obrigação.
Eu interpreto a frase do Confúcio como a necessidade de se gostar do que se está a fazer, o que me parece lógico e saudável, não como a necessidade de se ver no nosso maior prazer a nossa válvula de escape para não termos de trabalhar.
Eu sei que muitos não vão concordar comigo, mas é assim que eu protejo os meus maiores prazeres na vida: cães e viagens. Os primeiros estão esterilizados! E as viagens nunca vão ser profissionalizadas!